Artigo | Revisitando a cultura de segurança. Acidentes não são “destino” ou “vontade divina”

Artigo | Revisitando a cultura de segurança. Acidentes não são “destino” ou “vontade divina”

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Como vai a evolução da cultura de segurança no trânsito no Brasil? Que progressos temos feito e que resultados é possível contabilizar? Na semana passada me fizeram estas perguntas e com elas me veio a ideia de escrever sobre este tema que, na minha opinião, não deve sair da agenda nacional.

Creio ter sido um dos primeiros a discutir publicamente a necessidade de se desenvolver uma cultura de segurança no trânsito no Brasil como fator indispensável para baixar a inaceitável taxa de mortalidade no nosso trânsito. Isto foi lá pelos anos de 2010. Antes, tínhamos a educação para o trânsito como a salvadora da pátria, mas aos poucos foi ficando claro que era preciso algo mais, de alguma coisa mais palatável para a sociedade entender sobre o direito de ir e vir no trânsito, dos riscos nas ruas e nas estradas e de como escapar deles.

A partir de 1980, quando o Brasil começava a despertar para a segurança, ficou evidente que, no trânsito, um longo, penoso, paciente e profundo trabalho de conscientização da sociedade teria de ser desenvolvido para convencê-la de que acidentes de trânsito não eram “vontades de Deus” ou “coisas do destino”, como muitos acreditavam e que podiam ser evitados.

Constituição Brasileira de 1988 trouxe avanços importantes sobre a questão da segurança, sobretudo na área do trabalho.”

Grupos ligados ao trânsito começavam a mostrar intolerância com a violência dos acidentes, mas ainda de maneira bastante tímida. Em 1987, o recém-criado GEIPOT, Grupo Executivo para a Integração da Política de Transportes, do Ministério dos Transportes, publica o primeiro relatório- denúncia sobre o tema, intitulado “Acidentes de tráfego no Brasil: flagelo nacional evitável” denunciando o alto índice de mortalidade no trânsito. No mesmo ano surgia o Programa Volvo de Segurança no Trânsito que se propunha a despertar a sociedade para a realidade, até então não percebida, do trânsito.

Para isto, contudo, era essencial provocar uma grande mudança de comportamento em todos os segmentos da sociedade. Tornava-se vital incluir o setor privado nesta mobilização porque, uma vez envolvido, ele traria contribuições de inestimável valor. Reduziria muito o número de sinistros de trânsito. Além disso, melhoraria consideravelmente a qualidade de vida de seus colaboradores através da queda nos acidentes e o próprio setor se daria conta de que segurança no trânsito seria um grande negócio para as empresas.

Obviamente era indispensável pressionar o Governo, nos três níveis – federal, estadual e municipal. Para coordenar esforços nas suas áreas de influência para reduzir acidentes e incentivar a sociedade a se cuidar mais.”

Era de vital importância envolver os meios de comunicação neste grande trabalho, mas a partir de uma ótica até então não explorada pela imprensa. A de que o tema segurança no trânsito, com todos os seus contornos, se tornaria uma pauta permanente para jornalistas e especialistas em trânsito, transporte e mobilidade como um inesgotável canal irradiador de fatos e de análises permanentes.

Creio poder dizer que a jornada do trânsito brasileiro pela segurança no trânsito até aqui acertou no atacado, mas continua penando para ganhar no varejo. Quero dizer que, no geral, vejo o tema cultura de segurança está bem ajustado. O que significa que, governo, empresas e sociedade sabem de seus papeis nas grandes linhas. No entanto, não se pode dizer que todos estejam devidamente comprometidos com os objetivos finais de cada uma delas. Basicamente faltam mais informações aos gestores do que deve ser feito e, em muitos casos, como consegui-lo.

Em 2013, com a valiosa ajuda da Volvo, publiquei o livro “Cultura de Segurança no Trânsito – Casos
Brasileiros” onde revisitei inúmeros trabalhos vencedores do Prêmio Volvo por todo o país para constatar de que forma continuavam disseminando a cultura de segurança em seus universos. Em alguns casos, foi extraordinário sentir o esforço dispendido para manter e melhorar a cultura da segurança.

O ponto alto foi verificar a busca da segurança no trânsito é percebida em todos os cantos do país e isto é fantástico.”

Em suma, julgo ser correto dizer que tivemos algum êxito no incremento da cultura da segurança no trânsito, mas não há como não confessar que ainda temos muito por fazer. Trata-se de um processo de longo prazo que exige muita dedicação, planejamento, recursos e grande coordenação.

Não há a menor dúvida de que sociedade, autoridades, empresas, meios de comunicação, incluindo a mídia social, estão, hoje, muito mais antenados para a importância de continuar fortalecendo a cultura da segurança no trânsito. Além disso, que ela deve ser mantida como agenda prioritária por várias décadas, ainda. O nome do jogo é, então, coordenar as ações, mantê-las e encorajar progressos.

As gerações do amanhã saberão reconhecer os esforços de hoje!

 

 

J. Pedro Corrêa é consultor em programas
de segurança no trânsito.

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