Artigo | Perdão, Joaquim Barbosa: o pecado de Moro foi acreditar que era super-herói

Artigo | Perdão, Joaquim Barbosa: o pecado de Moro foi acreditar que era super-herói

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa disse que o “pecado” do ex-juiz Sergio Moro foi ter confiado em Jair Bolsonaro e feito parte do governo. A declaração foi dada em entrevista concedida ao programa de Pedro Bial, na TV Globo, na madrugada desta terça (8). Moro depois brigou com o chefe e, hoje, é pré-candidato à Presidência.

Barbosa foi relator da Ação Penal 470, que analisou o Mensalão no STF. Instaurada em 12 de novembro de 2007, seu julgamento começou quase cinco anos depois, em agosto de 2012, dando significativos índices de audiência para a TV Justiça. Pela primeira vez, os brasileiros acompanhavam com atenção a transmissão de um julgamento como se fosse BBB. Dividiam-se em torcidas organizadas.

Naquele ano, Joaquim Barbosa se tornou protagonista de memes que viralizaram pela rede, retratando-o como um herói justiceiro que traria “ordem” para o país ao punir os criminosos por corrupção, custe o que custasse. Em alguns deles, sua toga preta se confundia propositadamente com a capa de Batman. Em outros, era retratado vestindo o calção vermelho por cima do colã azul do Super-Homem.

Alguns anos depois, Moro substituiu Barbosa na representação de super-herói contra a corrupção. O primeiro registro que tenho notícia da aparição da cabeça do então juiz federal transplantada no corpo do Super-Homem foi em março de 2016, em meio às manifestações de rua pela derrubada de Dilma Rousseff. Um grupo de Lucas do Rio Verde (MT) resolveu fazer uma vaquinha para encomendar um inflável com 12 metros de altura para demonstrar seu apoio.

Três anos depois, em 19 de junho de 2019, já como ministro da Justiça de um presidente eleito graças a ele ter sacado fora o principal oponente na disputa, Super-Moro foi inflado mais uma vez em frente ao Congresso. Ele falaria naquela manhã no Senado sobre as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos de imprensa.

O vazamento da comunicação entre ele e procuradores da Lava Jato mostrando um conluio acabou levando o STF a extinguir as ações contra Lula e considerar Moro parcial.”

É da natureza de um povo cansado por um Estado incapaz de garantir aos seus cidadãos aquele quinhão de Justiça previsto na Constituição que procure salvadores. Mitificados por uma parcela da sociedade, esses acabam alvos da projeção de muitas qualidades e de nenhum defeito – o que alguns deles fazem questão de incentivar. Construção que acaba tornando a pessoa, mais do que referência em uma certa área, um repositório de tudo o que é bom.

O processo acaba por produzir santos, como já disse aqui algumas vezes. E as regras para os santos são diferentes. Eles podem subverter as leis dos seres humanos em nome de um ‘bem maior’, mesmo que, ao fazer isso, usem métodos tão bizarros quanto o mal que afirmam querer liquidar.”

“Eu vejo, eu ouço”, tuitou Moro no dia 30 de junho de 2019 em meio aos protestos a seu favor. A declaração faz referência ao livro Êxodo, capítulo 3, versículo 7, em que diz que Deus estava acompanhando o sofrimento dos judeus no Egito. Que, por um acaso, era seu povo escolhido entre todos na Terra. “E disse o Senhor: Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores.”

Foi uma escolha exemplar de Moro. O Êxodo tem pragas e recompensas, leis e punições, e um povo sofrido e humilhado que não é libertado por sua própria mobilização, mas que precisa de um líder que o retire da escravidão – ação que conta com intervenção divina. Faz mais sucesso do que a autodeterminação.

A questão que se coloca é que heróis não recebem auxílio-moradia. Não são chamados de “doutor”, nem ficam irritados se interpelados. Não encaram a si mesmos como infalíveis, pois sabem que esse julgamento não lhes cabe, mas à História. Não precisam de jornalistas os defendendo. Pedem desculpas, reconhecem seus erros.”

Joaquim Barbosa se filiou ao PSB em 2018. Era grande a expectativa de que ele sairia candidato à Presidência da República, o que acabou não acontecendo. “Uma coisa é conhecer, outra é se lançar na arena”, disse na entrevista desta terça. Continuou no partido até se desfiliar este ano. Disse a Pedro Bial que talvez se junte a outro para se candidatar, mas ainda não decidiu.

Já Moro filiou-se ao Podemos e se apresentou como pré-candidato à Presidência da República. Na última pesquisa PoderData, Lula aparece com 40% de intenções de voto enquanto o ex-juiz tem 6%, numericamente atrás também de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes.

Seria ótimo entendermos que não precisamos de heróis da extrema direita, da direita, do centrão, da esquerda. Não precisamos de ninguém além de nós mesmos para nos salvar. Mas o legado de como a Justiça encarou a justiça nos últimos dez anos vai servir para reafirmar que cada sociedade merece mesmo os heróis que constrói para si.”

Barbosa está enganado. O pecado de Moro foi ter visto a si mesmo como algo muito maior. O que está bem explicado no livro de Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”.

Luxo

 

 

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor
em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

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